terça-feira, 15 de novembro de 2011

LUSÍADAS - FORMOSÍSSIMA MARIA

100 - Preparam-se os Mouros para Invadir Castela


"Nunca com Semirâmis gente tanta
Veio os campos idáspicos enchendo,
Nem Atila, que Itália toda espanta,
Chamando-se de Deus açoute horrendo,
Gótica gente trouxe tanta, quanta
Do Sarraceno bárbaro estupendo,
Co'o poder excessivo de Granada,
Foi nos campos Tartésios ajuntada.


Afonso XI, de Castela, pede Auxílio a Afonso IV, seu Sogro




101


"E vendo o Rei sublime Castelhano
A força inexpugnábil, grande e forte,
Temendo mais o fim do povo hispano,
Já perdido uma vez, que a própria morte,
Pedindo ajuda ao forte Lusitano,
Lhe mandava a caríssima consorte,
Mulher de quem a manda, e filha amada
Daquele a cujo Reino foi mandada.


102 - Vai à Portugal a Rainha de Castela


"Entrava a formosíssima Maria
Pelos paternais paços sublimados,
Lindo o gesto, mas fora de alegria,
E seus olhos em lágrimas banhados;
Os cabelos angélicos trazia
Pelos ebúrneos ombros espalhados:
Diante do pai ledo, que a agasalha,
Estas palavras tais, chorando, espalha:


Súplica da Rainha de Castela ao Pai, Afonso IV de Portugal




103


— "Quantos povos a terra produziu
De África toda, gente fera e estranha,
O grão Rei de Marrocos conduziu
Para vir possuir a nobre Espanha:
Poder tamanho junto não se viu,
Depois que o salso mar a terra banha.
Trazem ferocidade, e furor tanto,
Que a vivos medo, e a mortos faz espanto.


104


— "Aquele que me deste por marido,
Por defender sua terra amedrontada,
Co'o pequeno poder, oferecido
Ao duro golpe está da Maura espada;
E se não for contigo socorrido,
Ver-me-ás dele e do Reino ser privada,
Viúva e triste, e posta em vida escura,
Sem marido, sem Reino, e sem ventura.


105


"Portanto, ó Rei, de quem com puro medo
O corrente Muluca se congela,
Rompe toda a tardança, acude cedo
A miseranda gente de Castela.
Se esse gesto, que mostras claro e ledo,
De pai o verdadeiro amor assela,
Acude e corre, pai, que se não corres,
Pode ser que não aches quem socorres." —


106


"Não de outra sorte a tímida Maria
Falando está, que a triste Vênus, quando
A Júpiter, seu pai, favor pedia
Para Eneias, seu filho, navegando;
Que a tanta piedade o comovia
Que, caído das mãos o raio infando,
Tudo o clemente Padre lhe concede,
Pesando-lhe do pouco que lhe pede.


107 - Batalha do Solado


"Mas já co'os esquadrões da gente armada
Os Eborenses campos vão coalhados:
Lustra co'o Sol o arnês, a lança, a espada;
Vão rinchando os cavalos jaezados.
A canora trombeta embandeirada,
Os corações à paz acostumados
Vai às fulgentes armas incitando,
Pelas concavidades retumbando.


108


"Entre todos no meio se sublima,
Das insígnias Reais acompanhado,
O valeroso Afonso, que por cima
De todos leva o colo alevantado;
E somente co'o gesto esforça e anima
A qualquer coração amedrontado.
Assim entra nas terras de Castela
Com a filha gentil, Rainha dela.


109


"Juntos os dous Afonsos finalmente
Nos campos de Tarifa estão defronte
Da grande multidão da cega gente,
Para quem são pequenos campo e monte.
Não há peito tão alto e tão potente,
Que de desconfiança não se afronte,
Enquanto não conheça e claro veja
Que co'o braço dos seus Cristo peleja.


110


"Estão de Agar os netos quase rindo
Do poder dos Cristãos fraco e pequeno,
As terras como suas repartindo
Antemão, entre o exército Agareno,
Que com título falso possuindo
Está o famoso nome Sarraceno.
Assim também com falsa conta e nua,
À nobre terra alheia chamam sua.


111